ENTREVISTA TOM FEILING

Só legalização da cocaína separa drogas da violência
ESCRITOR INGLÊS LANÇA LIVRO NOS EUA COM HISTÓRICO DA DROGA, CUJO CONSUMO, SEGUNDO DIZ, VOLTA A CRESCER ENTRE OS JOVENS

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Tom Feiling, um documentarista e escritor de 42 anos, quer convencer o mundo de que o consumo de todas as drogas deve ser livre.
"Só há uma forma de evitar milhares de mortes provocados pelo tráfico: a legalização da droga, principalmente a cocaína", diz o britânico, que acaba de ter o seu livro "Cocaine Nation: How the White Trade Took Over the World" publicado nos EUA.
Feiling faz um amplo e detalhado histórico da cocaína, desde o tempo em que era consumida pelos andinos antes da chegada dos espanhóis até os dias de hoje, quando, afirma, está voltando à moda entre os jovens.
O escritor morou um ano na Colômbia e pretende voltar para lá. Por essa razão, pediu que não fosse publicada uma foto sua. "A Colômbia é um lugar maravilhoso.
Mas pode ser perigoso para alguém como eu que escreveu sobre o tráfico e sobre as ligações entre governantes e os paramilitares", afirma.

Folha - Por que decidiu escrever um livro sobre cocaína? Tom Feiling - Vivi um ano na Colômbia e quando voltei para Londres percebi que a cocaína estava voltando à moda entre os jovens. Achei que era o momento de revigorar a discussão. Há muitos livros sobre o tema, mas eles partem de um ponto de vista norte-americano. Tentei fazer algo mais amplo, com vários lados da questão.
Você diz que a guerra às drogas, conduzida pelo EUA, não dá bons resultados. Há muitas prisões, mas o consumo e a violência não caem. Por que a legalização total das drogas seria a solução do problema?
Há uma visão mais progressista que acredita que não devemos criminalizar a posse de drogas. Se uma pessoa tiver com um grama de cocaína, ela não deve ser presa. Mas muitos que apoiam essa ideia continuam a defender a perseguição às pessoas que venderam esse um grama, até chegar aos grandes produtores. O que gera a violência é a criminalização da produção e distribuição da droga, não seu consumo. A única forma de acabar com a violência é tirar a produção e distribuição das drogas das mãos de criminosos, e passar o processo para os governos ou para a iniciativa privada, com supervisão de uma agência governamental.
Mas e o nível de corrupção nos governos dos países produtores de coca?
O problema é que você não pode deixar tudo na mão da iniciativa privada porque vira simplesmente negócio. Foi um erro os países deixarem o tabaco, por exemplo, na mão de empresas privadas. Por isso é tão difícil implementar políticas para reduzir o consumo de tabaco. No caso da cocaína, é preciso legalizá-la até para ter políticas educacionais. Hoje, todo mundo sabe que fumar e beber faz mal. Está até nas embalagens. Mas com drogas não há nada. Criminalizamos e vivemos como se fosse possível o mundo sem drogas. Mas sempre haverá consumidores, quem goste de se drogar.
Você fala em legalizar para acabar com o crime, mas o crime organizado está envolvido hoje numa série de atividades que são legais, como a indústria fonográfica ou cinematográfica, via produtos piratas. Por que isso não aconteceria com as drogas?
Não há muitas oportunidades de negócio envolvendo o álcool, legalizado, para o crime organizado. No Reino Unido, há crime organizado envolvido com tráfico de cigarro, mas é pouco comparado com as drogas ilegais.
Você diz que o elo entre drogas pesadas e a violência pode ser quebrado se as drogas ficarem mais baratas e acessíveis. Mas como evitar que haja mais consumidores com preço baixo e fácil acesso?
A única maneira é educação. É preciso criar campanhas que sejam críveis principalmente para jovens. Hoje, eles não acreditam quando um professor diz que droga não é bom. Ele escutam isso de alguém que simplesmente não quer que eles se droguem. Por outro lado, eles ouvem outros jovens dizendo que cheiraram cocaína e que foi ótimo. Com a legalização, será mais fácil para os governos fazerem campanhas educativas. Não para dizer que o consumo é ilegal, mas para falar dos problemas que pode causar.
Uma das formas que o mundo está encontrando para reduzir o consumo de tabaco é aumentado o preço do cigarro, principalmente por meio de impostos. Você propõe o contrário, drogas mais baratas.
Não adianta legalizar e jogar o preço para cima. Porque os cartéis da droga continuarão a vendê-la por um preço mais barato. Isso porque a produção da droga é barata. Agora com relação ao consumo, eu cito no livro alguns estudos em que pessoas são questionadas se consumiriam cocaína se ela fosse legal. E o resultado mostra que não haveria aumento no consumo. Porque as pessoas não cheiram porque é legal ou ilegal. Mas porque gostam ou não gostam. A cocaína tem apelo, normalmente, entre os jovens e apenas por um período curto de suas vidas.
Estamos falando da cocaína, mas você é a favor da legalização de todas as drogas?
Sim.
Como parlamentar, David Cameron criticou a política britânica de combate às drogas. Acredita que agora, como primeiro-ministro, ele vai mudar alguma coisa?
Não. Políticos muitas vezes concordam, privadamente, que é preciso mudar e legalizar as drogas. Mas não querem o ônus de lutar publicamente por isso.
Vivemos em uma época em que os governos estão mais e mais querendo definir o que as pessoas podem fazer: o que podem comer, onde podem fumar, a quantidade de sal, de gordura etc. Não é uma era adversa para propor a legalização das drogas?
Os governos fazem campanhas contra tabaco, álcool e gordura porque o consumo dessas substâncias traz custo aos sistemas de saúde. Mas ninguém imagina proibir o ato de fumar. Porque um certo número de pessoas continuará fumando. E legalização dá mais controle. Legalizar não significa incentivar o consumo. Mas ter mais elementos para saber como esse consumo se dá.
Qual a sua relação com as drogas? É um consumidor, foi um consumidor?
Minha geração tomou muita droga. Havia muito ecstasy nos anos 80. Mas tenho 42 anos e meus dias de consumidor ficaram para trás.


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