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CLAUDIO WEBER ABRAMO

Alarmismo antipopular
Não são poucos nem pouco poderosos aqueles que se opõem ao próprio espírito da Lei da Ficha Limpa

O JULGAMENTO, pelo Supremo Tribunal Federal, de recurso apresentado pelo político paraense Jader Barbalho contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral que lhe negara registro de candidatura nas eleições deste ano trouxe de novo à atenção a chamada "Lei da Ficha Limpa".
Essa legislação, inédita mundialmente, apareceu como decorrência da necessidade, amplamente reconhecida, de reduzir a desenvoltura com que, no Brasil, aventureiros invadem e ocupam a política. Não são poucos nem pouco poderosos aqueles que se opõem ao próprio espírito dessa lei.
Um exemplo saliente é o do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Durante o julgamento do recurso de Barbalho, Mendes exibiu com notável truculência a natureza conservadora das resistências que persistem à Lei da Ficha Limpa.
Embora expressas no contexto da aplicabilidade, ao pleito de 2010, do famoso inciso "k" (em que se enquadravam Barbalho, Joaquim Roriz e outros), o alarmismo transparentemente posado de Mendes tinha como objeto o princípio inspirador da nova legislação.

Mesmo num ambiente judicial marcado por escandalosa ineficiência, Mendes exprimiu contrariedade ao impedimento de participação, em eleições, de quem não tenha tido condenação transitada em julgado, ou seja, irrecorrível.

Como o Judiciário brasileiro garante procrastinação infinita desde que o réu seja endinheirado e possa pagar advogados caros (como costuma ser o caso de políticos, e mais ainda de políticos ladrões), o ponto de vista do qual Gilmar Mendes é porta-voz advoga a perpetuação da iniquidade.

As referências de Mendes ao fascismo, à barbárie, à pretensa hediondez da lei, significam, na prática, a reiteração do princípio reacionário de que a administração de justiça deve mesmo depender do poder de manipulação de códigos e procedimentos.

Não se enxerga naqueles que, como Mendes, veem a administração da justiça como um jogo, nenhuma indignação em relação ao fato de ladrões de alto coturno terem vida mansa no Judiciário brasileiro. Nenhuma palavra é dedicada à injustiça fundamental da Justiça brasileira.

Essa gente acha normal que ladrões manipulem o sistema, com a inestimável ajuda de desembargadores e ministros de tribunais superiores, mas acha anormal que o Supremo julgue algum caso levando-se em consideração o direito coletivo à justiça.

Observe-se que esse direito coletivo não advém do número de assinaturas de apoiamento que a lei em questão recebeu quando ainda era projeto. Advém, sim, de uma postura que se pode dizer ideológica em relação aos privilégios dos políticos corruptos e seus apaniguados.
É nesse mesmo território que se desvenda a indignação fake de Gilmar Mendes: vem da ideologia antipopular que representa.

CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil

AMANHÃ EM PODER:
Fernanda Torres

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